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Memória que Resiste

  • Foto do escritor: Laysa Vitória
    Laysa Vitória
  • 12 de mar.
  • 5 min de leitura

Hotel Central, o prédio que viu Recife crescer, tenta sobreviver no centro

Foto: divulgação
Foto: divulgação

Aos cinco anos, Rosa escondia-se no carrinho de limpeza da mãe camareira e

passeava por todos os andares do Hotel Central. Aos 14, começou a realizar

pequenos trabalhos, ajudando na cozinha ou no jardim. A carteira assinada como

cozinheira veio junto com a maioridade. Aos 51 anos, alugou o restaurante do

edifício e abriu o ‘Tempero de Rosa’. Quatro anos depois, tornou-se administradora

do hotel que a viu crescer. Dos 59 anos de vida de Rosa Nascimento, 54 foram

vividos dentro de um prédio cor-de-rosa com janelas verdes, o primeiro arranha-céu

do Recife.


Localizado em uma esquina do centro da cidade, o Hotel Central foi inaugurado em

31 de novembro de 1928 e quase teve sua história interrompida em 2020, devido à

péssima situação financeira agravada pela pandemia de Covid-19. Foi Rosa

Nascimento, com sua ousadia e amor, que o salvou do fechamento quando aceitou

a oferta de alugar o prédio, pois ela não conseguia imaginar o local fechado.


Em mais de nove décadas, o estilo eclético e de arquitetura classicista foi

preservado. A porta funciona como um túnel do tempo que transporta quem passa

por ela para o final da década de 20. A recepção tem no centro uma mesa redonda

de madeira. Mais à frente, encontra-se um charmoso e antigo elevador a manivela

feito de ferro entrelaçado e importado do Estados Unidos. À esquerda tem o balcão

da recepção, um móvel entalhado. Na parede, quadros e recortes de jornais antigos.

Do lado direito, há uma sala de estar acolhedora, com sofá, cadeiras e uma mesa de

jantar de madeira. Mais para lá da sala, um piano encostado.


O edifício histórico foi projetado pelo arquiteto italiano Giacomo Palumbo e

financiado pelo empresário grego Constantino Sfezzo, que decidiu investir na

construção após perceber a falta de hotéis de alto padrão na cidade. Na época,

Recife contava apenas com algumas hospedarias destinadas aos comerciantes que

visitavam a região para negócios. Em contraste, o Rio de Janeiro já possuía o

icônico Copacabana Palace, e o Hotel Central foi concebido como uma resposta a

essa demanda, explica Fernando Diniz, professor de arquitetura e urbanismo da

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).


No século XX, os hotéis firmaram-se como um marco econômico, político e simbólico

do progresso das cidades. Na capital pernambucana, foi o Hotel Central que

representou o início da modernidade, não apenas pelo luxo que oferecia, mas

também por seu audacioso projeto de oito andares, construído com concreto

armado, na época, uma tecnologia inovadora. A obra gerou tanto entusiasmo quanto

temor. Alarmados com a altura do edifício em construção, muitos moradores da

região se mudaram às pressas, convencidos de que a estrutura desabaria.

A expectativa do progresso. Imagem: Diario de Pernambuco/ Hemeroteca Digital
A expectativa do progresso. Imagem: Diario de Pernambuco/ Hemeroteca Digital

Epicentro da vida social e cultural recifense na década de 20 e 30, a imprensa da

época não cansava de noticiar os grandiosos eventos que se realizavam no Hotel

Central: jantares de gala, chás dançantes e coquetéis sofisticados que reuniam a alta sociedade. Na fundação, estava aparelhado de 80 quartos, 6 apartamentos de luxo, bar, restaurante, barbearia e perfumaria, salão para senhoras, telefones em todos os quartos, água corrente, terraço e dois elevadores. Os banheiros com louças sanitárias compradas na Alemanha e azulejos decorados de Portugal, preservados até hoje. As maiores transformações que aconteceram em quase cem anos de história foi a construção de banheiros privativos em todos os quartos. Mas, segundo o professor da UFPE, essas mudanças não descaracterizaram o edifício.


Por ser o prédio mais alto, destacava-se de forma imponente, e a cidade se rendia

humildemente aos pés do hotel. Do terraço, em seu último andar, era possível ter

uma vista panorâmica que ia do mar aos morros que cercavam a região. Um relato

publicado no Diario de Pernambuco de 30 de maio de 1929 descreve: “Espraiei o

olhar pelo oceano imenso, acompanhei as sinuosidades dos rios, formando as ilhas da nossa Veneza, e demorei a vista nas alturas de Olinda. Panorama digno de ver-se!”.


O Hotel Central viu diante de si o Recife crescer e se verticalizar. E não demorou

para que o progresso, que ele simbolizava em 1928, o engolisse com a construção

dos espigões. Quem passa hoje pela Avenida Manoel Borba não consegue imaginar

que o prédio cor de rosa já foi o mais alto do Recife por mais de 20 anos. O

desenvolvimento econômico e turístico foi se expandindo para o bairro de Boa

Viagem e o centro, antes vívido e turístico, tornou-se espaço de insegurança e

hotéis fechados.


O abandono do centro das cidades não é um problema que acomete somente o

Recife, outras capitais como São Paulo, Belo Horizonte e São Luís também passam

por uma situação parecida, destaca Fernando Diniz. O professor afirma ainda que

esse processo pode ser revertido com a reocupação dessa área, através, por

exemplo, de política de habitação. Para ele, o centro da cidade “oferece qualidades

espaciais muito ricas, que não são encontradas em bairros modernos.”


O edifício que já teve como hóspedes a cantora Carmem Miranda, o ator Grande

Otelo e o ex-presidente Getúlio Vargas, hoje quase não recebe turistas. Os

frequentadores atuais geralmente são pessoas a trabalho ou que estão fazendo

tratamento médico. “Até agora, quem sobreviveu foi a gente. Porque uns hotéis

fecharam, abriram novamente e depois encerraram de vez. Outros viraram motel.

Então, os hotéis do centro que eram de turismo acabaram. Eu não vivo no centro, eu

sobrevivo”, disse Rosa.


Sonhando em transformar o Hotel Central novamente em um espaço cultural do

Recife, a atual administradora e o estilista Ronaldo Fraga se juntaram para realizar o

“Cabaré da Rosa”, uma festa anual que já teve quatro edições. A ideia surgiu

quando o mineiro se encantou ao ouvir Rosa cantando no restaurante. Ser cantora

era um sonho antigo da mulher que através da transparência das cortinas de chita

do cabaré da tia Antônia, conheceu as músicas de Edith Veiga, Dalva de Oliveira,

Ângela Maria, Cauby Peixoto e tantos outros.


Rosa continua determinada e trabalhando duro no sonho de que o Hotel Central

“nunca morra”, mesmo que, desde que assumiu, o empreendimento não tenha

gerado um retorno financeiro. Embora não tenha dívidas, só consegue se manter

graças ao restaurante de comidas regionais. 


Apesar das dificuldades, os esforços da administradora começam, aos poucos, a surtir efeito. O imóvel, que é um Imóvel Especial de Preservação (IEP) tombado pela Fundarpe desde dezembro de 2018, terá sua cobertura requalificada por meio de financiamento público e privado. As obras estão previstas para começar no primeiro semestre de 2025 e devem durar de três a quatro meses.


Rosa, por sua vez, não tem medo de desafio grande e se mostra resiliente na missão de lembrar ao Recife que no centro há história, memória e paixão.

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