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  • Bárbara Bittencourt

“Foi um filme de terror”: chuvas em Custódia alagam vários pontos da cidade

O volume de chuvas da cidade, em fevereiro e março, aumentou 46,6% em relação a 2023


Alagamento entre as Ruas Luiz Epaminondas e Manoel Mariano Sobrinho

“Eu nunca tinha visto tanta lama na minha vida. É uma situação desesperadora, porque estamos acostumados a ver isso no jornal, achamos que nunca vamos passar por isso, principalmente aqui em Custódia.”


Esse é o depoimento de Larissa Alves, 22, após as fortes chuvas que ocorreram na cidade de Custódia, Sertão do Moxotó, na última semana de fevereiro. Desde o dia 28, os níveis de água nas cidades do Agreste e Sertão de Pernambuco já eram um dos maiores do estado, segundo a Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac). Custódia registrou a maior precipitação do estado na quinta-feira (29), com 102,16 mm.


Segundo o Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), o índice pluviométrico total de fevereiro e março de 2022, em Custódia, foi de 215,6 mm. Em 2023, os dois meses somados resultaram em 246,6 mm. Só em fevereiro de 2024 choveu um total de 253 mm. Somando com os índices registrados até o dia 27 de março, foram 462 mm, representando um aumento de 46,6% em relação ao ano anterior.


O volume de água inesperado, mesmo para o período de chuvas da região, alagou e afetou a infraestrutura de diversos pontos da cidade. Larissa Alves, cujo depoimento abriu esta reportagem, foi uma das pessoas prejudicadas. O restaurante de sua família, o Senhora Cozinha, localizado ao lado do batalhão do BEPI (antiga CIOSAC), foi tomado pela água na madrugada do domingo, 3 de março, quando choveu cerca de 100 mm.


“Temos o restaurante aqui há três anos, e tem moradores dessa rua que moram aqui há mais de 50 anos e nunca tinham passado por essa situação. Acreditamos que tenha sido por conta de uma obra aqui no terreno vizinho, que já havia sido embargada pela Prefeitura. Era um muro, que foi construído esse ano, em cima de onde a água costuma seguir para o riacho de Custódia. Então, não tinha mesmo para onde a água correr, ele realmente impediu a passagem dela”, declarou Larissa.


Preocupados com o nível da água, os moradores da Rua José Tomás, onde fica localizado o restaurante, se reuniram durante a madrugada para tentar quebrar o muro e permitir que a água tomasse seu curso natural, mas foi só no dia seguinte, por ação da Secretaria de Infraestrutura e Obras de Custódia, que a obra foi completamente derrubada.


Moradores da Rua José Tomás quebrando o muro irregular na madrugada do domingo (3 de março)


“Por causa da movimentação aqui na rua, os moradores entraram em contato com minha mãe para avisar que a maioria das casas ao redor do restaurante tinham sido alagadas. Até então, ela não sabia, né? Estávamos em casa, ela ligou a câmera do restaurante, e visualizamos o restaurante tomado por lama”, contou Larissa. Quando chegaram ao restaurante, uma lista dos prejuízos: a geladeira, um freezer e a bomba de água queimados, e a feira do restaurante estragada pela água. “Estamos nos recuperando aos poucos. O restaurante está continuando e, graças a Deus, tínhamos outro freezer. Estamos voltando a trabalhar, porque não tem como ficar parado também”, continuou.


De acordo com Larissa, a Secretaria do Meio Ambiente de Custódia visitou a rua afetada pelas chuvas, bem como uma assistente social, que recolheu seu nome, contato, a lista de prejuízos e o vídeo da câmera do restaurante. Até o momento da publicação desta reportagem, o Senhora Cozinha não obteve nenhum retorno quanto a alguma ajuda.


Nível da água na Rua José Tomás em relação aos tambores do BEPI


Outro dono de restaurante afetado pelas chuvas foi Leonardo Rodrigues, 49, da Pousada e Restaurante do Sertão, localizado na Avenida Gerson Gonçalves de Lima. “Não conseguimos impedir a água de entrar, ela batia no joelho. O restaurante tem um espaço grande, de 27 metros, já imaginou empurrar 27 metros de água? Não tinha o que fazer. Era só pedir a Deus e seguir a vontade Dele, né?”, contou o proprietário, que enfrentou alagamentos na quarta (28 de fevereiro), quinta (29 de fevereiro) e sábado (3 de março).


Além de não ter funcionado nestes três dias, o Restaurante do Sertão foi tomado pela lama e teve o prejuízo de dois freezers queimados. Não houve contato de nenhum representante da Prefeitura de Custódia a fim de conversar sobre algum ressarcimento.


Nível da água no Restaurante do Sertão foi equivalente a altura das mesas do estabelecimento


Segundo Leonardo, a última vez que a região teve a manutenção do sistema de captação de água da chuva foi há 10 anos, quando também havia alagado. De acordo com o engenheiro civil Rangel Cruz, para que os alagamentos não ocorram é preciso existir um sistema de drenagem de águas pluviais, composto pelo sistema das residências e das ruas, pensado pela Secretaria de Infraestrutura da cidade. “Ela tem a missão de dimensionar os tubos e das bocas de lobo, por onde são coletadas as águas da chuva que caem diretamente ali na rua e das residências”, explicou.


Também cabe ao poder público fazer a manutenção desse sistema, a cada dois ou três anos, para garantir sua eficácia. “É impossível que não ocorram imprevistos como esse, por isso a manutenção é necessária. Geralmente, ela só é feita quando acontece algo ruim, algo desaba ou alaga”, relatou Rangel. Foi o que ocorreu na Rua Manoel Mariano Sobrinho, onde o calçamento cedeu à quantidade de chuva: a última manutenção das tubulações da rua havia sido feita em 2019, mas não foi finalizada. A conclusão da obra sucedeu depois das chuvas do dia 03 de março de 2024, cinco anos depois.


Situação do calçamento da Rua Manoel Mariano Sobrinho após as chuvas do domingo (03)


“A última vez que alagou minha casa, aconteceu em 2019, por isso não imaginávamos que fosse entrar água, porque desde então chovia bastante, mas nunca mais a água chegou nem na calçada igual chegou agora, Foi um filme de terror, eu moro em um declive e a água subiu mais duas casas depois da minha”, declarou Darlliane Bittencourt, que foi afetada pelo alagamento da Manoel Mariano.


Outro fator que contribuiu para essa situação foi a quantidade de lixo acumulado próximo ao bueiro da rua. “Meu marido saiu para olhar o estado do bueiro na hora da chuva e tinha bastante lixo, muito mesmo, tanto é que ele ligou para a Prefeitura mandar a máquina vir desentupir. As pessoas vêm de outra rua para jogar lixo ali perto, porque consideram um terreno baldio e pensam que é para jogar lixo, já vimos muito disso”, continuou.


Alagamento entre as Ruas Luiz Epaminondas e Manoel Mariano Sobrinho


Conforme Rangel, para que o sistema de drenagem funcione de forma eficaz, é preciso haver uma participação efetiva tanto dos órgãos municipais quanto da sociedade. “O problema da poluição do lixo é o que mais conhecemos, porque a tubulação é calculada para a água pluvial e não para o lixo. É um papel tanto da sociedade quanto do pessoal da infraestrutura, porque não tem como fazer uma tubulação que dure a vida toda, ela precisa de manutenção”.


O sistema de drenagem de águas pluviais de uma cidade funciona de acordo com estimativas, por isso ele não garante que nunca ocorrerão alagamentos, mas que raramente aconteçam. Primeiro, é feito uma coleta dos dados do volume de chuva dos últimos anos, em seguida, o valor mais alto é considerado e faz-se uma estimativa do tempo de retorno daquela chuva. Então, constroe-se o sistema de forma que ele suporte o volume de chuvas médio de uma região, mas alague a cada 10, 20 ou 30 anos, a depender do cálculo utilizado para o tempo de retorno de uma chuva de grande proporção.


“Estimamos que a maior chuva, de 300 milímetros, por exemplo, só venha ocorrer daqui a 25 anos. Ou seja, só vai alagar uma vez a cada 25 anos. Esse é o melhor sistema que conseguimos fazer, porque não é economicamente viável construir um que suporte muito mais do que uma chuva incomum de acontecer, e porque alguns lugares não comportam tubulações maiores”, explicou o engenheiro. Contudo, para que a drenagem das águas pluviais aconteça de forma ideal, também é necessária a contribuição da população: “a tubulação é calculada para as águas da chuva, não para lixo e esgoto, logo a responsabilidade é tanto dos órgãos municipais quanto da sociedade.”



Ilustrações acerca do sistema de drenagem de águas da chuva

O poder público e a sociedade devem se unir


Devido ao aquecimento global, os fenômenos meteorológicos, como as ondas de calor e as chuvas, têm se mostrado cada vez mais intensos. Um estudo [1] publicado em julho de 2022, após o período de chuvas intensas no Recife [2] e no Nordeste no mês de maio, produzido por 23 pesquisadores do Brasil, Europa e Estados Unidos afirma que as mudanças climáticas agravaram a probabilidade e a intensidade de chuvas extremas. Por isso, é cada vez mais importante que o poder público e a sociedade civil se atentem à manutenção e ao aprimoramento dos sistemas de drenagem e de tratamento das águas pluviais.


“A cidade, teoricamente, tem que ser projetada para receber essas águas da chuva, coletando e levando até uma estação de tratamento, para que a destinação seja feita da maneira correta, em rios e lagos. Porém, geralmente, isso não é feito. Muitas cidades, principalmente as do sertão de Pernambuco, não têm um sistema para receber essas águas da chuva, e muito menos um sistema de tratamento”, elucidou Rangel. É o caso de Custódia: a Estação de Tratamento de Água da Compesa apenas trata a água advinda da Adutora do Rio São Francisco e da Barragem de Marrecas, mais conhecida como o Açude do DNOCS.


Segundo Darlliane, as chuvas são boas para a cidade, mas é necessário que sejam recebidas de forma segura: “É uma benção chover, contanto que a chuva venha e vá embora”. Perguntada sobre as ações empreendidas pela Prefeitura de Custódia no que tange às chuvas e aos alagamentos, a Secretaria de Infraestrutura e Obras não retornou nosso contato.

 

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